PASTORAL FAMILIAR

FAMÍLIAS EVANGELIZANDO FAMÍLIAS

sábado, 7 de julho de 2012


Catequeses preparatórias para o VII Encontro Mundial das Famílias

Índice das catequeses

1.      O segredo de Nazaré











Tema das catequeses

Família, trabalho e festa. São as três palavras do tema para o VII Encontro Mundial das Famílias. Elas formam um trinómio que começa a partir da família, para a abrir ao mundo: o trabalho e a festa são modos como a família habita o «espaço» social e vive o «tempo» humano. O tema põe em relação o casal, um homem e uma mulher, com os seus estilos de vida: o modo de viver as relações (a família), de habitar o mundo (trabalho) e de humanizar o tempo (festa).

As catequeses são subdivididas em três grupos, relativos sequencialmente à família, ao trabalho e à festa, e introduzidas por uma catequese sobre o estilo da vida familiar. Elas tencionam iluminar o entrelaçamento entre a experiência da família e a vida quotidiana na sociedade e no mundo.



1. O SEGREDO DE NAZARÉ

A. Canto e saudação inicial

B. Invocação do Espírito Santo

C. Leitura da Palavra de Deus

11Veio ao meio dos seus,

e os seus não o receberam.

12Mas a todos aqueles que o receberam,

aos que crêem no seu nome,

deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus (Jo 1, 11-12).

40O menino ia crescendo e fortalecia-se: estava cheio de sabedoria, e

a graça de Deus repousava sobre ele.

41Os seus pais iam todos os anos a Jerusalém, para a festa da Páscoa.

42Tendo ele completado doze anos, subiram a Jerusalém,

segundo a tradição da festa [...]

51Em seguida, desceu com eles a Nazaré, permanecendo-lhes submisso.

A sua mãe conservava todas estas coisas no seu coração.

52E Jesus crescia em estatura, sabedoria e graça diante de Deus e

dos homens (Lc 2, 40-42.51-52).

D. Catequese bíblica

1.Veio ao meio dos seus. Por que motivo a família deve escolher um estilo de vida? Quais são os novos estilos de vida para a família de hoje, a propósito do trabalho e da festa? Dois trechos bíblicos descrevem o modo como o Senhor Jesus veio ao meio de nós (cf. Jo 1, 11-12) e como viveu no seio de uma família humana (cf. Lc 2, 40-42.51-52).

O primeiro texto apresenta-nos Jesus que habita no meio do seu povo: «Veio ao meio dos seus, e os seus não o receberam. Mas a todos aqueles que o receberam, aos que crêem no seu nome, deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus». A Palavra eterna parte do seio do Pai, vem para o meio do seu povo e entra numa família humana. O povo de Deus, que deveria ser o ventre acolhedor do Verbo, revela-se estéril. Os seus não o receberam mas, pelo contrário, eliminam-no. O mistério da rejeição de Jesus de Nazaré insere-se no coração da sua vinda para o meio dos nós. Mas a todos aqueles que o recebem, «deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus». Aos pés da cruz, João vê realizar-se aquilo que ele mesmo proclama no início do seu Evangelho. «Quando vê a sua mãe e, perto dela, o discípulo que ele amava» (Jo 19, 26), Jesus confia à mãe o novo filho, e ao discípulo que ele amava, confia a mãe. Depois, o evangelista comenta: «E a partir dessa hora, o discípulo levou-a consigo para a sua casa» (19, 27). Eis o «estilo» que Jesus nos pede, para vir ao meio de nós: um estilo capaz de receber e de gerar.

Jesus pede que a família seja lugar que acolhe e gera a vida em plenitude.

Ela não gera apenas a vida física, mas abre à promessa eà alegria. A família torna-se capaz de «receber», se souber preservar a sua própria intimidade, a história de cada um, as tradições familiares, a confiança na vida e a esperança no Senhor. A família torna-se capaz de «gerar», quando faz circular os dons recebidos, quando conserva o ritmo da existência quotidiana entre trabalho e festa, entre afecto e caridade, entre compromisso e gratuidade. Esta é a dádiva que se recebe em família: conservar e transmitir a vida, no casal e aos filhos.

A família tem o seu ritmo, como a palpitação do coração;é lugar de descanso e de impulso, de chegada e de partida, de paz e de sonho, de ternura e de responsabilidade. O casal deve construir a atmosfera antes da chegada dos filhos. O trabalho não pode tornar a casa deserta, mas a família deve aprender a viver e a conjugar os tempos do trabalho com aqueles da festa. Muitas vezes deve confrontar-se com pressões externas, que não permitem escolher o ideal, mas os discípulos do Senhor são aqueles que, vivendo na realidade das situações, sabem dar sabor a todas as coisas, mesmo àquilo que não se consegue mudar: são o sal da terra. De modo particular, o domingo deve ser tempo de confiança, de liberdade, de encontro, de descanso e de partilha. O domingo é o momento do encontro entre o homem e a mulher. É acima de tudo o Dia do Senhor, o tempo da oração, da Palavra de Deus, da Eucaristia e da abertura à comunidade e à caridade. E deste modo, também os dias da semana receberão luz do domingo e da festa: haverá menos dispersão e mais encontro, menos pressa e mais diálogo, menos coisas e mais presença. Um primeiro passo nesta direcção é ver como habitamos a casa, o que levamos a cabo no nosso lar. É necessário observar como é a nossa morada e considerar o estilo do nosso habitar, as escolhas que ali fizemos, os sonhos que cultivamos, os sofrimentos que vivemos, as lutas que enfrentamos e as esperanças que alimentamos.

2. O segredo de Nazaré. Nesse povoado da Galileia, Jesus vive o período mais longo da sua vida. Jesus torna-se homem: com o transcorrer dos anos, ele atravessa muitas das experiências humanas para as salvar todas: faz-se um de nós, entra numa família humana, vive trinta anos de silêncio absoluto, que se tornam revelação do mistério da humildade de Nazaré.

O versículo com que tem início este trecho delineia com poucos traços o «segredo de Nazaré». É o lugar onde crescer em sabedoria e graça de Deus, no contexto de uma família que recebe e gera. «O menino ia crescendo e fortalecia-se: estava cheio de sabedoria, e a graça de Deus repousava sobre ele». O mistério de Nazaré diz-nos de modo simples que Jesus, a Palavra que vem do Alto, o Filho do Pai, se faz menino, assume a nossa humanidade, cresce como um jovem no seio de uma família, vive a experiência da religiosidade e da lei, a vida quotidiana cadenciada pelos dias de trabalho e pelo descanso do sábado, o calendário das festas. O «Filho do Altíssimo» reveste-se com o semblante da fragilidade e da pobreza, é acompanhado pelos pastores e por pessoas que manifestam a esperança de Israel. Porém, o mistério de Nazaré é muito mais: é o segredo que fascinou grandes santos, como Teresa de Lisieux e Charles de Foucauld.

Com efeito, o versículo de encerramento do episódio diz que Jesus «desceu com eles a Nazaré, permanecendo-lhes submisso. A sua mãe conservava todas estas coisas no seu coração. E Jesus crescia em estatura (maturidade), sabedoria e graça diante de Deus e dos homens». Eis o profundo mistério de Nazaré: Jesus, a Palavra de Deus em pessoa, imergiu-se na nossa humanidade durante trinta anos! As palavras dos homens, as relações familiares, a experiência da amizade e da conflitualidade, da saúde e da enfermidade, da alegria e do sofrimento tornaram-se linguagens que Jesus aprendeu, para proferir a Palavra de Deus. De onde vêm, a não ser da família e do ambiente de Nazaré, as palavra de Jesus, as suas imagens, a sua capacidade de contemplar os campos, o camponês que semeia, a messe que lourece, a mulher que mistura a farinha, o pastor que extraviou a ovelha, o pai com os seus dois filhos. Onde foi que Jesus aprendeu a sua surpreendente capacidade de narrar, imaginar, comparar e pregar na vida e com a vida? Não vêm elas porventura da imersão de Jesus na vida de Nazaré? Por isso dizemos que Nazaré é o lugar da humildade e do escondimento. A palavra esconde-se, a semente desce ao ventre da terra e morre para trazer como fruto o amor do próprio Deus, aliás, o rosto paterno de Deus. Este é o mistério de Nazaré.

3. Os vínculos familiares. Jesus vive numa família caracterizada pela espiritualidade judaica e pela fidelidade à lei: «Os seus pais iam todos os anos a Jerusalém, para a festa da Páscoa. Tendo ele completado doze anos, subiram a Jerusalém, segundo a tradição da festa». A família e a lei constituem o contexto onde Jesus cresce em sabedoria e graça. A família e a religiosidade judaicas, uma família patriarcal e uma religião doméstica, com as suas festas anuais, com o sentido do sábado, com a oração e o trabalho diário, com o estilo de um amor de casal puro e meigo, fazem compreender que Jesus viveu profundamente a sua família.

Também nós crescemos numa família humana, dentro de vínculos de acolhimento que nos fazem crescer e responder à vida e a Deus. Também nós nos tornamos aquilo que recebemos. O mistério de Nazaré é o conjunto de todos estes vínculos: a família e a religiosidade, as nossas raízes e o nosso povo, a vida diária e os sonhos para o porvir. A aventura da vida humana começa a partir daquilo que recebemos: a vida, a casa, o afecto, a língua e a fé. A nossa humanidade é forjada por uma família, com as suas riquezas e as suas pobrezas.

E. Escuta do Magistério

A vida de família traz consigo um estilo singular, novo e criativo, que deve ser vivido e saboreado no casal e transmitido aos filhos, a fim de que transforme o mundo. O estilo evangélico da vida familiar influi dentro e além do círculo eclesial, fazendo resplandecer o carisma do matrimónio, o mandamento novo do amor a Deus e ao próximo. De maneira sugestiva, o n. 64 da Familiaris consortio exorta-nos a descobrir de novo um rosto mais familiar de Igreja, com a adopção de «um estilo de relações mais humano e fraterno». .

Estilo evangélico da vida em família

«Animada e sustentada pelo mandamento novo do amor, a família cristã vive a acolhida, o respeito, o serviço para com a homem, considerado sempre na sua dignidade de pessoa e de filho de Deus.

Isto deve acontecer, antes de tudo, no e para o casal e para a família, mediante o empenho quotidiano de promover uma autêntica comunidade de pessoas, fundada e alimentada por uma íntima comunhão de amor. Deve além disso ampliar-se para o círculo mais universal da comunidade eclesial, dentro da qual a família cristã está inserida: graças à caridade da família, a Igreja pode e deve assumir uma dimensão mais doméstica, isto é, mais familiar, adoptando um estilo de relações mais humano e fraterno.

A caridade ultrapassa os próprios irmãos na fé, porque “todo o homem é meu irmão”; em cada um, sobretudo se pobre, fraco, sofredor e injustamente tratado, a caridade sabe descobrir o rosto de Cristo e um irmão a amar e a servir.

Para que o serviço ao homem seja vivido pela família segundo o estilo evangélico, será necessário pôr em prática com urgência o que escreve o Concílio Vaticano II: “Para que este exercício da caridade seja e apareça acima de toda a suspeita, considere-se no próximo a imagem de Deus, para o qual foi criado, veja-se nele Cristo, a quem realmente se oferece tudo o que se dá ao indigente” (AA 8)».

[Familiaris Consortio, 64]

F. Perguntas para o casal e o grupo

PARA O CASAL

1.      A nossa família é lugar que recebe e gera a vida em plenitude, nas várias dimensões humanas e cristãs?

2.      Que escolhas fazemos para que a família seja espaço onde crescer em plenitude e graça de Deus?

3.      Que tipo de vínculos familiares, afectivos e religiosos alimentam o crescimento do casal e dos filhos?

PARA O GRUPO FAMILIAR E A COMUNIDADE

1.      Quais são os novos estilos de vida para a família de hoje, entre trabalho e festa?

2.      Quais são as escolhas e os critérios que orientam a nossa vida quotidiana?

3.      Quais são as dificuldades comunicativas e sociais que se devem enfrentar para fazer da família um lugar de crescimento humano e cristão?

4.      Quais são as dificuldades culturais que se encontram na transmissão das formas da vida boa e da fé?

G. Um compromisso para a vida familiar e social

H. Orações espontâneas. Pai-Nosso

I. Canto final


2. A FAMÍLIA GERA A VIDA

A. Canto e saudação inicial

B. Invocação do Espírito Santo

C. Leitura da Palavra de Deus

27Deus criou o homem à sua imagem;
criou-o à imagem de Deus:

criou-os varão e mulher (Gn 1, 27).

18E o Senhor Deus disse: «Não é bom que o homem esteja só: vou

dar-lhe uma ajuda, que lhe seja adequada». 19Tendo, pois, o

Senhor Deus formado da terra todos os animais dos campos e

todas as aves dos céus, levou-os ao homem para ver como ele

lhes havia de chamar: e cada nome que o homem deu aos animais

vivos, tal devia ser o seu verdadeiro nome. 20Assim, o homem deu

um nome a todos os animais, a todas as aves dos céus e a todos

os animais dos campos; mas não se encontrava para o homem

uma ajuda que lhe fosse adequada. 21Então, o Senhor Deus mandou

descer sobre o homem um profundo sono; e enquanto ele

dormia, tirou-lhe uma costela e fechou com a carne o seu lugar.

22E da costela que tinha tirado do homem, o Senhor Deus criou

uma mulher, e levou-a para junto do homem.

23Então, o homem disse:

«Eis agora aqui,

o osso dos meus ossos,

e a carne da minha carne;

ela chamar-se-á mulher,

porque foi tirada do homem».

24Por isso, o homem deixará o seu pai e a sua mãe para se unir à

sua mulher; e os dois serão uma só carne (Gn 2, 18-24).

D. Catequese bíblica

1.Criou-os varão e mulher. Por que motivo Deus criou o homem e a mulher? Por que quis que no casal humano, mais do que em qualquer outra criatura, resplandecesse a sua imagem? O homem e a mulher que se amam, com todo o seu ser, são o berço que Deus escolheu para ali depositar o seu amor, a fim de que cada filho e cada filha que nascem no mundo possa conhecê-lo, recebê-lo e vivê-lo, de geração em geração, prestando louvor ao Criador.

Nas primeiras páginas da Bíblia explica-se o bem que Deus pensou para as suas criaturas. Deus criou o homem e a mulher iguais em dignidade, e no entanto diferentes: um é homem, e o outro é mulher. A semelhança unida à diferença sexual permite aos dois entrar em diálogo criativo, estabelecendo uma aliança de vida. Na Bíblia, a aliança com o Senhor é aquilo que dá vida ao povo, em relação ao mundo e à história da humanidade inteira. Aquilo que a Bíblia ensina a propósito da humanidade e de Deus encontra a sua raiz na vicissitude do Êxodo, em que Israel experimenta a proximidade benévola do Senhor e se torna seu povo, dando o seu consenso àquela aliança, a única da qual deriva a vida.

A história da aliança do Senhor com o seu povo ilumina a narração da criação do homem e da mulher. Eles são criados para uma aliança que não diz respeito unicamente a eles mesmos, mas envolve o Criador:

«Criou-os à imagem e semelhança de Deus: criou-os varão e mulher».

A família nasce do casal pensado, na sua própria diferença sexuada, à imagem do Deus da aliança. Nela, a linguagem do corpo tem um grande relevo, narra algo acerca do próprio Deus. A aliança que um homem e uma mulher, na sua diferença e complementaridade, são chamados a viver é à imagem e semelhança do Deus aliado do seu povo. O corpo feminino está predisposto a desejar e a receber o corpo masculino, e vice-versa, mas ainda antes a mesma coisa é válida para a «mente» e para o «coração». O encontro com uma pessoa do outro sexo suscita sempre curiosidade, apreço, desejo de se fazer notar, de dar o melhor de si, de demonstrar o próprio valor, de cuidar, de proteger...; trata-se de um encontro sempre dinâmico, cheio de energia positiva, porque no relacionamento com o outro/outra descobrimos e desenvolvemos-nos a nós mesmos. A identidade masculina e feminina é salientada especialmente quando entre ele e ela surge a maravilha pelo encontro e o desejo de estabelecer um vínculo.

Na narração de Gn 2, Adão descobre-se homem precisamente no momento em que reconhece a mulher: o encontro com a mulher faz-lhe entender e mencionar o seu ser homem. O reconhecimento recíproco do homem e da mulher derrota o mal da solidão e revela a bondade da aliança conjugal. Contrariamente àquilo que afirma a ideologia do «gender», a diferença dos dois sexos é muito importante.

É o pressuposto para que cada um possa desenvolver a sua própria humanidade na relação e na interacção com o outro. Quando os dois cônjuges se entregam totalmente um ao outro, juntos doam-se também aos filhos que poderiam nascer. Tal dinâmica do dom é depauperada, cada vez que se recorre a uma utilização egoísta da sexualidade, excluindo toda a abertura à vida.

2. Não é bom que o homem esteja só. Para cumular a solidão de Adão, Deus cria para ele «uma ajuda que lhe seja adequada». Na Bíblia, o termo «ajuda» tem sobretudo Deus como sujeito, a ponto de se tornar um título divino («O Senhor está comigo, é a minha ajuda» Sl 117, 7); além disso, com «ajuda» não se entende uma intervenção genérica, mas o socorro oferecido diante de um perigo mortal. Criando a mulher como ajuda que lhe seja adequada, Deus subtrai o homem à má solidão que mortifica, inserindo-o na aliança que dá a vida: a aliança conjugal, em que o homem e a mulher se concedem reciprocamente a vida; a aliança genitorial, em que pai e mãe transmitem a vida aos filhos.

A mulher e o homem são, um para o outro, uma «ajuda» que «está à sua frente», sustém, compartilha e comunica, excluindo qualquer forma de inferioridade ou de superioridade. A igual dignidade entre o homem e a mulher não admite qualquer hierarquia e, ao mesmo tempo, não exclui a diferença. A diferença permite ao homem e à mulher estreitar-se em aliança, e a aliança fortalece-os. É quanto ensina o livro de Ben Sirac: «Aquele que possui uma mulher virtuosa, sabe como se tornar rico; há uma ajuda que lhe é semelhante, uma coluna de apoio. Onde não existe uma cerca, os bens ficam expostos ao roubo; onde não há uma mulher, o homem suspira de necessidade» (Eclo 36, 26-27).

O homem e a mulher que se amam no desejo e na ternura dos corpos, assim como na profundidade do diálogo, tornam-se aliados que se reconhecem um graças ou outro, mantendo a palavra dada, são fiéis ao pacto, sustentam-se mutuamente para realizar aquela semelhança com Deus à qual, como varão e mulher, são chamados desde a fundação do mundo. Ao longo do caminho da vida aprofundam a linguagem do corpo e da palavra, porque de ambos há tanta necessidade quanto do ar e da água. O homem e a mulher devem evitar as insídias do silêncio, da distância e da incompreensão. Não raro, os ritmos de trabalho, quando se tornam extenuantes, subtraem tempo e energias ao cuidado da relação entre os esposos: então, há necessidade do tempo da festa, que celebra a aliança e a vida.

A criação da mulher tem lugar enquanto o homem dorme profundamente. O sono que Deus faz descer sobre ele exprime o seu abandonar-se a um mistério, que lhe é impossível compreender.

A origem da mulher permanece envolvida no mistério de Deus, como misteriosa permanece para cada casal a origem do seu próprio amor, o motivo do seu encontro e da atracção recíproca que os levou à comunhão de vida. No entanto, uma coisa parece certa: na relação conjugal, Deus inscreveu a «lógica» do seu amor, para a qual o bem da própria vida consiste em doar-se um ao outro.

O amor conjugal, feito de atracção, companhia, diálogo, amizade, atenção… mergulha as suas raízes no amor de Deus, que desde a origem pensou o homem e a mulher como criaturas que se amassem com o seu próprio amor, não obstante a ameaça do pecado possa tornar o seu relacionamento cansativo e ambíguo. Infelizmente, o pecado substitui a lógica do amor, do dom de si mesmo com a lógica do poder, do domínio e da própria afirmação egoísta.

3. Os dois serão uma só carne. Criada da costela do homem, a mulher é «carne da sua carne e osso dos seus ossos». Por este motivo, a mulher participa da debilidade – a carne – do homem, mas também da sua estrutura basilar – o osso. Um comentário do Talmude observa que «Deus não criou a mulher a partir da cabeça do homem, para que o dominasse; não a criou dos pés, a fim de que fosse submissa ao homem; mas criou-a da costela, para que permanecesse próxima do seu coração». A estas palavras fazem eco as palavras da «amada», do Cântico dos Cânticos: «Põe-me como um selo sobre o teu coração...» (8, 6). Elas manifestam a união profunda e intensa à qual aspira e à qual está destinado o amor conjugal.

«Eis agora aqui, o osso dos meus ossos, a carne da minha carne»: o homem pronuncia estas suas primeiras palavras diante da mulher. Até àquele momento ele tinha «trabalhado», dando um nome aos animais, mas permanecendo ainda sozinho, incapaz de pronunciar palavras de comunhão. No entanto, quando vê diante de si a mulher, o homem profere palavras de admiração, reconhecendo nela a grandeza de Deus e a beleza dos afectos.

Deus confia a sua criação à comunhão rica de enlevo, gratidão e solidariedade de um homem e de uma mulher. Aliando-se no amor, ao longo do tempo eles tornar-se-ao «uma só carne».

A expressão «uma só carne» faz certamente alusão ao filho, mas ainda mais evoca a comunhão interpessoal que envolve de maneira total o homem e a mulher, a ponto de constituírem uma nova realidade. Assim unidos, o homem e a mulher poderão e deverão dispor-se à transmissão da vida, ao acolhimento, gerando filhos mas também abrindo-se às formas de acolhimento e de adopção. Com efeito, a intimidade conjugal é o lugar originário predisposto e desejado por Deus, onde a vida humana não apenas é gerada e nasce, mas também é acolhida e aprende toda a constelação dos afectos e dos vínculos pessoais.

No casal existe admiração, acolhimento, dedicação, alívio à infelicidade e à solidão, aliança e gratidão pelas obras maravilhosas de Deus. E deste modo ela torna-se terreno fértil onde a vida humana é semeada, germina e vem à luz. Lugar de vida, lugar de Deus: acolhendo tanto um como o Outro, o casal humano realiza o seu destino ao serviço da criação e, tornando-se cada vez mais semelhante ao seu Criador, percorre o caminho rumo à santidade.

E. Escuta do Magistério

Na vida de família, os relacionamentos interpessoais encontram o fundamento e recebem o alimento do mistério do amor. O matrimónio cristão, aquele vínculo pelo qual o homem e a mulher prometem amar-se no Senhor para sempre e com todo o seu ser, constitui a nascente que alimenta e vivifica as relações entre todos os membros da família. Não é por acaso que, nas seguintes citações tiradas da Familiaris consortio e da Evangelium vitae, para explicar o segredo da vida doméstica, aprecem repetidas vezes os termos «comunhão» e «dom».

O amor, nascente e alma da vida familiar

«A comunhão conjugal constitui o fundamento sobre o qual se continua a edificar a mais ampla comunhão da família: dos pais e dos filhos, dos irmãos e das irmãs entre si, dos parentes e de outros familiares.

Tal comunhão radica-se nos laços naturais da carne e do sangue, e desenvolve-se encontrando o seu aperfeiçoamento propriamente humano na instauração e maturação dos laços ainda mais profundos e ricos do espírito: o amor, que anima as relações interpessoais dos diversos membros da família, constitui a força interior que plasma e vivifica a comunhão e a comunidade familiar.

A família cristã é, portanto, chamada a fazer a experiência de uma comunhão nova e original, que confirma e aperfeiçoa a comunhão natural e humana. Na realidade, a graça de Jesus Cristo, “o Primogénito entre muitos irmãos” (Rm 8, 29), é por sua natureza e dinamismo interior uma “graça de fraternidade”, como lhe chama S. Tomás de Aquino (Summa Theologiae IIª-IIIIae, 14, 2 ad 4). O Espírito Santo, que se infunde na celebração dos sacramentos, é a raiz viva e o alimento inexaurível da comunhão sobrenatural que estreita e vincula os crentes com Cristo, na unidade da Igreja de Deus. Uma revelação e actuação específica da comunhão eclesial é constituída pela família cristã que também, por isto, se pode e deve chamar “Igreja doméstica” (LG, 11; cf. também AA, 11).

Todos os membros da família, cada um segundo o dom que lhe é peculiar, possuem a graça e a responsabilidade de construir, dia após dia, a comunhão de pessoas, fazendo da família uma “escola de humanismo mais completo e mais rico” (GS, 52): é o que vemos surgir com o cuidado e o amor para com os mais pequenos, os doentes e os anciãos; com o serviço recíproco de todos os dias; com a co-participação nos bens, nas alegrias e nos sofrimentos».

[Familiaris Consortio, 21]

«A família tem a ver com os seus membros durante toda a existência de cada um, desde o nascimento até à morte. Ela é verdadeiramente “o santuário da vida (...), o lugar onde a vida, dom de Deus, pode ser convenientemente acolhida e protegida contra os múltiplos ataques a que está exposta, e pode desenvolver-se segundo as exigências de um crescimento humano autêntico” (Centesimus annus, 39). Por isso, o papel da família é determinante e insubstituível na construção da cultura da vida.

Como igreja doméstica, a família é chamada a anunciar, celebrar e servir o Evangelho da vida. Esta tríplice função compete primariamente aos cônjuges, chamados a serem transmissores da vida, apoiados numa consciência sempre renovada do sentido da geração, enquanto acontecimento onde, de modo privilegiado, se manifesta que a vida humana é um dom recebido a fim de, por sua vez, ser dado. Na geração de uma nova vida, eles tomam consciência de que o filho “se é fruto da recíproca doação de amor dos pais é, por sua vez, um dom para ambos: um dom que promana do dom” (Discurso aos participantes no VII Simpósio de bispos europeus, 17 de Outubro de 1989).

A família cumpre a sua missão de anunciar o Evangelho da vida, principalmente através da educação dos filhos. Pela palavra e pelo exemplo, no relacionamento mútuo e nas opções quotidianas, e mediante gestos e sinais concretos, os pais iniciam os seus filhos na liberdade autêntica, que se realiza no dom sincero de si, e cultivam neles o respeito do outro, o sentido da justiça, o acolhimento cordial, o diálogo, o serviço generoso, a solidariedade e os demais valores que ajudam a viver a existência como um dom. A obra educadora dos pais cristãos deve constituir um serviço à fé dos filhos e prestar uma ajuda para eles cumprirem a vocação recebida de Deus. Faz parte da missão educadora dos pais ensinar e testemunhar aos filhos o verdadeiro sentido do sofrimento e da morte: pode-lo-ao fazer, se souberem estar atentos a todo o sofrimento existente ao seu redor e, antes ainda, se souberem desenvolver atitudes de solidariedade, assistência e partilha com doentes e idosos no âmbito familiar».

[Evangelium Vitae, 92]


F. Perguntas para o casal e o grupo

PARA O CASAL

1.      Como vivemos o desejo e a ternura na nossa relação?

2.      Quais são os obstáculos que impedem o nosso caminho de profunda aliança?

3.      O nosso amor conjugal está aberto aos filhos, à sociedade e à Igreja?

4.      Que pequena decisão podemos tomar, para melhorar o nosso entendimento?

PARA O GRUPO FAMILIAR E A COMUNIDADE

1.      Como promover na nossa comunidade o valor do amor esponsal?

2.      Como favorecer a comunicação e a ajuda recíproca entre as famílias?

3.      Como ajudar aqueles que estão em dificuldade na vida conjugal e familiar?

G. Um compromisso para a vida familiar e social

H. Orações espontâneas. Pai-Nosso

I. Canto final


3. A FAMÍLIA VIVE A PROVAÇÃO

A. Canto e saudação inicial

B. Invocação do Espírito Santo

C. Leitura da Palavra de Deus

13Um anjo do Senhor apareceu em sonhos a José e disse-lhe: «Levantate,

toma o menino e a sua mãe, e foge para o Egipto; permanece lá

até que eu te avise, porque Herodes vai procurar o menino, para

o matar».

14José levantou-se durante a noite, tomou o menino e a sua mãe, e

fugiu para o Egipto. 15Ali permaneceu até à morte de Herodes,

para que se cumprisse quanto o Senhor dissera através do profeta:

«Do Egipto chamei o meu filho».

19Quando Herodes morreu, o anjo do Senhor apareceu em sonhos a

José, no Egipto, e disse-lhe: 20«Levanta-te, toma o menino e a sua

mãe, e retorna para a terra de Israel, porque morreram aqueles que

atentavam contra a vida do menino». 21José levantou-se, tomou o

menino e a sua mãe, e foi para a terra de Israel. 22No entanto, ao

ouvir que Arquelau reinava na Judeia, no lugar do seu pai Herodes,

não ousou ir para lá. Depois, avisado divinamente em sonhos,

retirou-se para a província da Galileia, 23e foi habitar numa cidade

chamada Nazaré, para que assim se cumprisse o que fora dito

pelos profetas: «Será chamado Nazareno» (Mt 2, 13-15.19-23).

D. Catequese bíblica

1.Um anjo apareceu em sonhos a José. Mais cedo ou mais tarde, de vários modos, a vida de família é posta à prova. Então, exigem-se sabedoria, discernimento e esperança, muita esperança, às vezes para além de qualquer evidência humana. O sofrimento, o limite e a falência fazem parte da nossa condição de criaturas, assinalada pela experiência do pecado, ruína de toda a beleza, corrupção de toda a bondade. Isto não significa que somos destinados a sucumbir; pelo contrário, a aceitação desta condição estimula-nos a confiar na presença benévola de Deus, que sabe renovar todas as coisas.

Este trecho evangélico descreve com tons dramáticos a viagem de uma família, a família de Jesus, aparentemente semelhante a muitas outras: a criança está em perigo e, durante a noite, é necessário partir imediatamente, empreendendo a viagem rumo a uma terra estrangeira. Assim, a jovem família encontra-se a encaminharse por uma estrada imprevista, complicada e inquietadora. É aquilo que acontece também nos dias de hoje e muitas famílias, obrigadas a deixar as suas habitações para poder oferecer aos seus filhos um contexto de vida melhor e para os subtrair aos perigos do mundo circunstante. Porém, talvez a narração da fuga para o Egipto faça alusão a uma vicissitude mais universal, que diz respeito a todas as famílias: a necessidade de empreender a viagem que conduza os pais rumo à sua maturidade, e os filhos para a idade adulta, na consciência da sua própria vocação; e isto, não raro, pode verificar-se à custa de decisões também dolorosas. Trata-se da viagem da construção da família, da geração e da educação dos filhos, caminho árduo, difícil e exigente, no qual as numerosas dificuldades, das quais nenhuma família é preservada, às vezes podem desanimar.

Nesta narração evangélica, Jesus parte como criança e, quando regressa, adquire o seu nome de adulto: «Será chamado Nazareno» (v. 23), título que já prefigura o seu destino de cruz; assim, da viagem de cada família, em que também os pais amadurecem, nascem filhos adultos, capazes de assumir pessoalmente a vocação que lhes é própria. Desta viagem de família, os protagonistas principais são os pais, de modo especial o pai, chamados a predispor boas condições de vida para os filhos. A necessidade de partir é comunicada a José mediante a linguagem dos sonhos. Em sonhos (cf. Mt 1, 20-21) já lhe tinha sido anunciada a gravidez de Maria e comunicado o convite a recebê-la e a tomá-la consigo (cf. Mt 1, 20-21).

Sabemos pouco acerca de José, mas uma coisa é certa: «Era um homem justo» (Mt 1, 19). A justiça, virtude das relações interpessoais, põe em primeiro lugar a salvaguarda do próximo; assim José, dado que era justo, tinha decidido rejeitar Maria secretamente, em vez de a expor ao juízo público. Na simplicidade do seu coração, ele sabe entrever o plano de Deus e vislumbrar nos acontecimentos da vida de família a mão divina. É fundamental saber «ouvir os anjos», discernir espiritualmente os acontecimentos e os momentos da nossa vida familiar, para que as relações sejam sempre purificadas, favorecidas e curadas. Com efeito, a família vive de bons relacionamentos, de olhares recíprocos positivos, de estima e de garantias mútuas, de defesa e de tutela: deste clima derivam o discernimento atento e a decisão pronta que salvaguarda a vida de um filho. Isto é válido para todas as famílias, para aquelas que vivem uma situação concreta de perigo, mas também para aquelas que vivem situações aparentemente mais seguras: os pais permaneçam voltados para a vida boa dos filhos, que devem ser subtraídos às ameaças e aos perigos.

O anjo convida a despertar, tomar, acolher, fugir... e confiar, permanecendo numa terra estrangeira até que o Senhor avise. José assume as suas responsabilidades, é protagonista da sua própria vicissitude, mas não se sente sozinho, porque conta com o olhar d’Aquele que provê à vida dos homens. A confiança em Deus não exonera da reflexão, da avaliação das situações, do percurso complexo da decisão mas, ao contrário, torna possível viver em todas as situações, sem jamais desesperar ou resignar-se. José está acordado, é capaz de enfrentar os acontecimentos e proteger a vida da mãe e do menino; mas ele age também na plena consciência de que é assistido pela salvaguarda eficaz de Deus.

2. Toma o menino e a sua mãe. José obedece, toma o menino e a sua mãe, e afasta-os da situação de perigo. Com efeito, o rei Herodes, que devia ser garante da vida do seu povo, na realidade transformou- se no perseguidor do qual escapar. Também hoje, a família vive em contacto com insídias perigosas e dissimuladas: sofrimento, pobreza e prepotência, mas também ritmos de trabalho excessivos, consumismo, indiferença, abandono, solidão... O mundo inteiro pode apresentar-se como hostil, adversário da vida dos mais pequeninos, de muitas formas. Cada pai ou mãe gostaria de tornar mais fácil o mundo, mais habitável para os seus filhos, demonstrando-lhes que a vida é boa e digna de ser vivida.

Os cuidados oferecidos aos filhos na sua primeira infância são motivados por este desejo: os pais sentem-se mal quando os filhos choram; sofrem e fazem de tudo para aliviar a sua dor. Fazem aquilo que podem, para que a vida dos seus filhos seja boa, seja um dom, seja abençoada em nome de Deus. Eis o significado da viagem para o Egipto: a busca de um lugar seguro, para além da noite, que proteja contra as ameaças, preserve da violência, restitua a esperança e permita conservar uma boa ideia de Deus e da vida.

A esta obra parece ser chamado, em primeiro lugar, o pai:é ele que acorda e toma a iniciativa. A José estão confiados o filho e a mãe; ele sabe que deverá levá-los, a ambos, para o Egipto, para um lugar seguro. «Toma o menino e a sua mãe», diz duas vezes o anjo, e o texto retoma mais duas vezes estas mesmas palavras.

Elas ressoam como um encorajamento aos pais, a superar as incertezas, a ir em frente, a cuidar do menino e da mãe. Hoje, as ciências humanas redescobrem a importância decisiva da figura paterna para o crescimento integral dos filhos.

O pai – sugere o texto – encontra a sua identidade e o seu papel, quando protege a mãe, ou seja, quando cuida da relação conjugal. Sabemos bem como o entendimento dos pais é decisivo para proteger, salvaguardar e encorajar os filhos; sabemos também como é difícil para o homem tutelar a mulher contra as mil noites da solidão, do silêncio e da incomunicabilidade. Considerando bem, também estas são ameaças que tornam a vida mais «difícil» para os filhos!

3. Fugiu para o Egipto. A viagem de uma família: partir, ir embora de uma terra hostil rumo a outra mais habitável, o Egipto, que a seu tempo tinha sido terra de escravidão e de sofrimento, mas também lugar da revelação do amor do Senhor pelo seu povo Israel.

O Egipto enche de pensamentos o imaginário de Israel: é a terra em que foram hospedados Jacob e os seus filhos e, antes ainda, o seu filho José, vendido pelos próprios irmãos; é a terra onde o povo sofreu a escravidão e experimentou a libertação.

Também Moisés tinha fugido daquela terra que o hospedara. O anjo pede a José que salve o menino, levando-o precisamente para lá, como se dissesse que, revisitado e habitado de esperança e de confiança, até um lugar de morte pode tornar-se um berço para a vida.

No entanto, para que isto aconteça, são necessários a coragem de voltar ali e a decisão de habitar naquele lugar difícil, sustentado pela confiança no Deus da vida. A fé em Deus é capaz de renovar todas as coisas e de infundir nova vitalidade nas famílias.

José parte «durante a noite». Na noite nada se vê, o homem caminha como um cego; porém, é possível ouvir e escutar a voz que sustém e encoraja. Existem muitas «noites» que caem sobre a vida de família: aquelas povoadas de sonhos, bons e maus; aquelas que vêem o casal andar às apalpadelas na escuridão de um relacionamento que se tornou difícil; aquelas dos filhos em crise, que se tornam mudos, distantes, ou então acusadores e rebeldes... quase irreconhecíveis.

Todas estas noites – ensina a narração da fuga para o Egipto – podem ser atravessadas, levando o filho para um lugar seguro, na medida em que se mantiver com confiança o ouvido atento à Palavra do Senhor.

Aos pais é pedido que preservem os filhos contra as numerosas noites da sua relação, dos seus problemas, e contra as noites dos seus próprios filhos, por vezes muito dolorosas, por causa das suas escolhas contrárias ao bem. Especialmente nestes momentos, o pai cuida do filho, conservando a certeza, também aos olhos amargurados da mãe, de encontrar para ele um lugar de refúgio. Tal refúgio é, não raro, o próprio coração do pai e da mãe, onde a imagem do filho se conserva intacta, e onde os pais possam voltar a encontrar a paciência e a esperança, para continuar a amá-lo.

Jesus morrerá em Jerusalém, naquela mesma terra da qual é afastado para ser protegido, pela mão do mesmo poder ao qual os seus pais o subtraíram. Chega um momento, na vida da família, em que os pais devem retirar-se. Quando completaram o seu serviço, acompanhando o filho a reconhecer a sua vocação, é bom que se ponham de lado, deixando que seja feita a vontade de Deus. A família não é eterna, e depois de ter acompanhado o filho a esperar na bondade da vida recebida, tem o dever de os encorajar a partir, a ir mais além pelo seu caminho. Os pais dão prova da sua sabedoria na discrição da sua presença, no gesto de se porem de lado, o que nunca é um abandono, mas sim uma forma de estima e de liberdade que prepara o futuro do mundo.

Ainda em sonhos, José compreende que chegou o momento de reconduzir a família para a terra de Israel. Sabiamente toma as iniciativas, avalia a situação e decide – iluminado por uma profecia misteriosa – estabelecer a sua morada em Nazaré, um lugar mais seguro em relação à Judeia. O sonho é novamente um lugar de revelação e de vitória sobre a hostilidade e a violência; embora seja invisível e quase inconsistente, torna-se lugar do discernimento atento e corajoso, conseguindo derrotar a arma do poder, muito mais evidente e sólida. Nada pode pôr em xeque a providência de Deus, capaz de salvar das situações mais difíceis e perigosas todos aqueles que se lhe confiam. Ele está presente nas noites das nossas famílias, e na trama escondida e às vezes obscura dos acontecimentos, tece o seu desígnio de salvação.

E. Escuta do Magistério

O n. 18 da Familiaris consortio representa um sugestivo afresco das «noites da família» que caem sobre todas as idades da vida e sobre todas as fases da existência. O texto ajuda a ler, em cada região do mundo, as dificuldades peculiares das famílias no tempo presente, com a inteligência da mente e a compaixão do coração. Ouvindo as preocupações pastorais dos Padres do Sínodo, o grande afecto de João Paulo II dirige o «olhar» da Igreja a ler com amor os sofrimentos e as dificuldades que atravessam a vida familiar, e pede também hoje aos seus pastores, aos ministérios laicas e às famílias, que enriqueçam o «olhar» da Igreja sobre a multidão incontável, que é como «um rebanho sem pastor».

Ajudar a família em dificuldade

«Um empenho pastoral ainda mais generoso, inteligente e prudente, na linha do exemplo do Bom Pastor, é pedido para aquelas famílias que – muitas vezes independentemente da própria vontade ou pressionadas por outras exigências de natureza diversa – se encontram em situações objectivamente difíceis [...]

Tais são, por exemplo, as famílias dos emigrantes por motivos de trabalho; as famílias de quantos são obrigados a ausências longas, como, por exemplo, os militares, os marinheiros, os itinerantes de todo o tipo; as famílias dos presos, dos refugiados e dos exilados; as famílias que vivem praticamente marginalizadas nas grandes cidades; aquelas que não têm casa, as incompletas ou «monoparentais»; as famílias com filhos deficientes ou drogados; as famílias dos alcoólatras; as desenraizadas do seu ambiente social e cultural ou em risco de perdê-lo; as discriminadas por motivos políticos ou por outras razões; as famílias ideologicamente divididas; as que dificilmente conseguem ter um contacto com a paróquia; as que sofrem violência ou tratamentos injustos por causa da própria fé; as que se compõem de cônjuges menores; os anciãos, não raramente forçados a viver na solidão e sem meios adequados de subsistência [...]

Outros momentos difíceis em que a família tem necessidade de ajuda da comunidade eclesial e dos seus pastores, podem ser: a irrequieta adolescência contestadora e às vezes tumultuosa dos filhos; o seu matrimónio, que os separa da família de origem; a incompreensão ou a falta de amor da parte das pessoas mais queridas; o abandono do cônjuge ou a sua perda, que faz começar a experiência dolorosa da viuvez, a morte de um familiar, que mutila e transforma em profundidade o núcleo originário da família».

[Familiaris Consortio, 77]

F. Perguntas para o casal e o grupo

PARA O CASAL

1.      Quais são as «provações» actuais da nossa família? Como as vivemos?

2.      Que homem sou para a mãe dos meus filhos? Que mulher sou para o pai dos meus filhos? Que pai e mãe somos para os nossos filhos?

3.      Como pode crescer a nossa união conjugal, no cansaço e na esperança, diante das situações de dificuldade e de sofrimento?

4.      Que pequena decisão podemos tomar?

PARA O GRUPO FAMILIAR E A COMUNIDADE

1.      Quais são as principais ameaças para as famílias da nossa sociedade e cultura?

2.      Como podemos tornar o mundo mais vivível para os nossos filhos?

3.      Como podemos ajudar a nossa comunidade a fortalecer a esperança no futuro?

G. Um compromisso para a vida familiar e social

H. Orações espontâneas. Pai-Nosso

I. Canto final


4. A FAMÍLIA ANIMA A SOCIEDADE

A. Canto e saudação inicial

B. Invocação do Espírito Santo

C. Leitura da Palavra de Deus

43Ouvistes o que foi dito: Amarás o teu próximo e odiarás o teu inimigo.

44Eu, porém, digo-vos: amai os vossos inimigos, fazei o bem a quantos

vos odeiam e orai por aqueles que vos perseguem. 45Deste modo,

sereis os filhos do vosso Pai que está nos céus, pois Ele faz nascer o

sol tanto sobre os maus como sobre os bons, e faz chover sobre os

justos e sobre os injustos. 46Se amais somente aqueles que vos amam,

que recompensa tereis? Não agem assim também os próprios publicanos?

47E se saudais apenas os vossos irmãos, que fazeis de

extraordinário? Não agem assim também os pagãos? 48Portanto, sede

perfeitos, como é perfeito o vosso Pai que está nos céus. 1Guardai vos

de praticar as vossas boas obras diante dos homens, para serdes

admirados por eles. Caso contrário, não recebereis a recompensa

junto do vosso Pai que está nos céus. 2Quando, pois, deres esmola,

não toques a trombeta diante de ti, como fazem os hipócritas nas

sinagogas e nas ruas, para serem louvados pelos homens. Na verdade,

digo-vos: eles já receberam a sua recompensa. 3Pelo contrário,

quando deres esmola, que a tua mão esquerda não saiba o que faz a

tua mão direita. 4Assim, a tua esmola seja praticada em segredo; e o

teu Pai, que vê no segredo, recompensar-te-á (Mt 5, 43-6, 4).

D. Catequese bíblica

1. Ouvistes o que foi dito... Eu, porém, digo-vos. Por que motivo temos que educar os nossos filhos para a generosidade, o acolhimento, a gratidão, o serviço, a solidariedade, a paz e todas aquelas virtudes sociais, tão importantes para a qualidade humana da sua vida? Que vantagem obtêm eles de tudo isto? Talvez não haja um aumento de riqueza, de prestígio e de segurança. E no entanto, só se cultivarem estas virtudes os homens terão um futuro na terra. Elas crescem graças à perseverança daqueles que, como os pais, educam as novas gerações para o bem. A mensagem cristã encoraja-nos a algo maior, mais bonito, mais arriscado e mais promissor: a humanidade da família, graças àquela centelha divina nela presente, e que nem sequer o pecado eliminou, pode renovar a sociedade em conformidade com o desígnio do seu Criador. O amor divino impele-nos pelo caminho do amor do inimigo, da dedicação pelo desconhecido, da generosidade para além do que é devido. A família participa da generosidade superabundante do nosso Deus: por isso, pode olhar para mais longe e viver uma alegria maior, uma esperança mais vigorosa e uma coragem maior nas escolhas.

Muitas das palavras de Jesus citadas nos Evangelhos iluminam a vida familiar. De resto, a sua sabedoria a respeito da vida humana aumentou graças ao clima familiar em que transcorreu uma boa parte da sua existência: ali conheceu o diversificado mundo dos afectos, experimentou o acolhimento, a ternura, o perdão, a generosidade e a dedicação. Na sua família constatou que é melhor dar que pretender, perdoar que vingar-se, oferecer que reter, dedicar-se sem poupar a própria vida. O anúncio do Reino por parte de Jesus nasce no contexto da sua experiência directa de família e abrange todos os relacionamentos, a começar precisamente pelas relações familiares, iluminando-as com uma nova luz e dilatando-as para além dos confins da lei antiga. Jesus convida a superar uma visão egoísta dos vínculos familiares e sociais, a ampliar os afectos para além do círculo limitado da própria família, a fim de que se tornem fermento de justiça para a vida social.

A família é a primeira escola dos afectos, o berço da vida humana, onde o mal pode ser enfrentado e superado. A família é um recurso precioso de bem para a sociedade. Ela constitui a semente da qual nascerão outras famílias, chamadas a melhorar o mundo. No entanto, pode acontecer que os laços familiares impeçam o desenvolvimento do papel social dos afectos. Isto acontece quando a família arrebata para si energias e recursos, fechando-se na lógica da vantagem familiar, que não deixa qualquer herança para o futuro da sociedade.

Jesus quer libertar o casal e a família da tentação de se fecharem em si mesmos: «Se amais somente aqueles que vos amam… se saudais apenas os vossos irmãos, que fazeis de extraordinário?».

Com palavras revolucionárias, Jesus recorda aos seus ouvintes a «antiga» semelhança com Deus, convidando-os a dedicar-se aos outros segundo o estilo divino, para além dos temores e dos receios, dos cálculos e das garantias de uma própria vantagem.

Causando admiração naqueles que O ouvem, Jesus ensina nos como é possível ser filho à semelhança do Pai. Ele subtrai-nos do sono da resignação e do egoísmo e, vigorosamente, diz-nos que amar o inimigo e rezar por quantos nos perseguem estão ao nosso alcance, que podemos erradicar a violência do nosso coração perdoando as ofensas, que a nossa generosidade pode superar a lógica económica do simples intercâmbio.

2. Sereis os filhos do vosso Pai que está nos céus. Jesus exige este estilo de vida singular e assim revela que os homens estão destinados precisamente a estas alturas. Confia no ensinamento que as famílias, por desígnio de Deus, são capazes de oferecer no caminho do seu amor.

Na família educa-se a dizer «obrigado» e «por favor», a ser generoso e disponível, a emprestar as próprias coisas, a prestar atenção às necessidades e às emoções dos outros, a ter em consideração os cansaços e as dificuldades de quem está próximo. Nos pequenos gestos da vida quotidiana, o filho aprende a estabelecer um bom relacionamento com os outros e a viver na partilha. Promover as virtudes pessoais é o primeiro passo para educar para as virtudes sociais. Na família ensina-se aos mais pequeninos a emprestar os seus brinquedos, a ajudar os seus companheiros na escola, a pedir com gentileza, a não ofender quem é mais fraco, a ser generoso nos favores. Por isso, os adultos esforçam-se em dar exemplo de atenção, dedicação, generosidade e altruísmo. Assim a família torna-se o primeiro lugar onde se aprende o sentido mais verdadeiro da justiça, da solidariedade, da simplicidade, da honestidade, da veracidade e da rectidão, juntamente com uma grande paixão pela história do homem e da polis.

Os pais, como José e Maria, admiram-se ao ver os filhos enfrentar com segurança o mundo adulto. Às vezes, os filhos revelam que podem ser mestres surpreendentes também para os adultos: «Encontraram- no no templo, sentado no meio dos doutores, ouvindo-os e interrogando-os. E todos aqueles que o ouviam ficavam maravilhados diante da sabedoria das suas respostas» (Lc 2, 46-47). Como a família de Nazaré, assim cada família confia à sociedade, através dos seus filhos, a riqueza humana que ela mesma viveu, inclusive a capacidade de amar o inimigo, de perdoar sem se vingar, de se alegrar com os sucessos do próximo, de doar mais de quanto se lhe pede...

Com efeito, também na família têm lugar divisões e rupturas, também nela nascem inimigos, e o inimigo pode ser o cônjuge, o pai, a mãe, o filho, o irmão ou a irmã... No entanto, na família as pessoas amam-se, desejam sinceramente o bem umas das outras, sofrem quando alguém está mal, mesmo que se tenha comportado como um «inimigo»; rezam por quantos as ofendem; estão dispostas a renunciar aos próprios bens, contanto que isto torne feliz os outros; compreendem que a vida é boa, quando é despendida pelo bem deles.

A família constitui a «célula primeira e vital da sociedade» (FC, 42), porque nela se aprende como é importante o vínculo com os outros. Na família sente-se que a força dos afectos não pode permanecer encerrada «entre nós», mas está destinada ao mais amplo horizonte da vida social. Se forem vividos somente no contexto do pequeno núcleo familiar, os afectos deterioram-se e, em vez de dilatar o aleance da família, acabam por sufocá-lo. O que torna vital a família é a abertura dos vínculos e a extensão dos afectos que, diversamente, encerram as pessoas em prisões mortificadoras!

3. O teu Pai…vê no segredo. A conservação dos vínculos e dos afectos familiares é melhor garantida, quando a família é boa e generosa com as outras famílias, atenta às suas feridas, aos problemas dos seus filhos, por mais diferentes que sejam dos nossos.

Entre pais e filhos, entre marido e esposa, o bem aumenta na medida em que a família se abre à sociedade, prestando atenção e oferecendo ajuda às necessidades dos outros. Deste modo, a família adquire motivações importantes para desempenhar a sua função social, tornando-se fundamento e recurso principal da sociedade. A capacidade de amar adquirida ultrapassa com frequência a necessidade da própria família. O casal torna-se disponível para o serviço e a educação de outros jovens, além dos seus: também deste modo os pais se tornam pais e mães de muitos.

«Sede perfeitos, como é perfeito o vosso Pai que está nos céus»: a perfeição que aproxima as famílias do Pai que está nos céus é aquele «suplemento» de vida oferecido para além do próprio núcleo familiar, um vestígio daquele amor superabundante que Deus derrama sobre as suas criaturas.

Muitas famílias abrem a porta de casa à hospitalidade, cuidam do mal-estar e da pobreza do próximo, ou então simplesmente batem à porta ao lado, para perguntar se há necessidade de algo, oferecem algumas roupas ainda em boas condições, hospedam os companheiros de escola dos filhos para fazer os deveres escolares…

Ou ainda, acolhem uma criança que não tem família, ajudam a manter o calor familiar onde permaneceu somente o pai, ou apenas a mãe, associam-se para ajudar outras famílias nas numerosas dificuldades contemporâneas, ensinando aos filhos o auxílio recíproco em relação a quantos são diferentes por raça, língua, cultura e religião. Assim, o mundo torna-se mais agradável e habitável para todos, beneficiando a qualidade de vida em vantagem da sociedade inteira.

Não é por acaso que o texto evangélico, depois da exortação à perfeição, fala da esmola, que nos tempos antigos, numa economia de subsistência, era um modo para redistribuir os recursos, uma prática de justiça social. Jesus exorta a não procurar o reconhecimento dos outros, utilizando o pobre para adquirir prestígio, mas a agir secretamente. No segredo do coração, o encontro com Deus confirma a própria identidade de filho, tão semelhante ao Pai; uma meta alta, aparentemente inatingível, que contudo a vida em família torna mais próxima.

E. Escuta do Magistério

A família oferece como dom à sociedade o precioso fruto do amor gratuito que se reveste de docilidade, de bondade, de serviço, de abnegação e de estima recíproca. Por outro lado, como demonstra o seguinte trecho da Familiaris consortio, o ensinamento magisterial sempre desejou ressaltar como a família, além de ser a escola dos afectos, se conota inclusive como a «primeira escola de virtudes sociais». Efectivamente, ela possui uma dimensão pública específica e originária, que influi positivamente sobre o bom funcionamento da sociedade e sobre a estabilidade dos vínculos sociais.

O dever social da família

«A família possui vínculos vitais e orgânicos com a sociedade, porque constitui o seu fundamento e alimento contínuo mediante o dever de serviço à vida: saem, de facto, da família os cidadãos e na família encontram a primeira escola daquelas virtudes sociais, que são a alma da vida e do desenvolvimento da mesma sociedade.

Assim por força da sua natureza e vocação, longe de se fechar em si mesma, a família abre-se às outras famílias e à sociedade, assumindo a sua tarefa social. A mesma experiência de comunhão e de participação, que deve caracterizar a vida quotidiana da família, representa o seu primeiro e fundamental contributo à sociedade.

As relações entre os membros da comunidade familiar são inspiradas e guiadas pela lei da “gratuidade” que, respeitando e favorecendo em todos e em cada um a dignidade pessoal como único título de valor, se torna acolhimento cordial, encontro e diálogo, disponibilidade desinteressada, serviço generoso, solidariedade profunda».

[Familiaris Consortio, 42, 43]

F. Perguntas para o casal e o grupo

PARA O CASAL

1.      Quais são os valores que os nossos filhos aprendem do nosso modo de viver?

2.      Que atenção presta a nossa família à vida social?

3.      Que ajuda oferecemos aos pobres e aos necessitados?

PARA O GRUPO FAMILIAR E A COMUNIDADE

1.      Quais são as necessidades mais urgentes na nossa comunidade?

2.      O que podemos realizar a favor de quem se encontra em necessidade?

3.      Que famílias podemos ajudar? Como?

G. Um compromisso para a vida familiar e social

H. Orações espontâneas. Pai-Nosso

I. Canto final


5. O TRABALHO E A FESTA NA FAMÍLIA

A. Canto e saudação inicial

B. Invocação do Espírito Santo

C. Leitura da Palavra de Deus

26Então, Deus disse: «Façamos o homem à nossa imagem e semelhança.

Que ele reine sobre os peixes do mar, sobre as aves dos

céus, sobre os animais domésticos e sobre toda a terra, e sobre

todos os répteis que se arrastam sobre a terra».

27E Deus criou o homem à sua imagem;

criou-o à imagem de Deus:

criou-os varão e mulher.

28Deus abençoou-os e disse-lhes:

«Frutificai e multiplicai-vos,

enchei a terra e submetei-a.

Dominai sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus

e sobre todos os animais que se arrastam sobre a terra».

29Deus disse: «Eis que eu vos dou toda a erva que produz semente

sobre a terra, e todas as árvores frutíferas que contêm em si mesmas

a sua semente, para que vos sirvam de alimento. 30E a todos os animais

da terra, a todas as aves dos céus, a todos os seres que se

arrastam sobre a terra, e em que haja o sopro da vida, eu dou toda a

erva verde como alimento». E assim se fez. 31Deus contemplou toda

a sua obra, e viu que tudo era muito bom. Sobreveio a tarde e depois

a manhã: foi o sexto dia.

1Assim foram completados os céus, a terra e todos os seus exércitos.

2Tendo Deus terminado no sétimo dia a obra que tinha

feito, descansou do seu trabalho. 3Ele abençoou o sétimo dia e

consagrou-o, porque nesse dia repousara de toda a obra da

Criação. 4Esta é a história da criação dos céus e da terra

(Gn 1, 26-31; 2, 1-4a).

D. Catequese bíblica

1.Deus disse: façamos o homem. A narração bíblica das origens apresenta a criação do homem, varão e mulher, como obra de Deus, fruto do seu trabalho. Deus cria o homem, trabalhando como o oleiro que plasma o barro (cf. Gn 2, 7). E também quando der vida ao seu povo Israel, libertando-o da escravidão do Egipto e conduzindo-o rumo à terra prometida, a obra de Deus assemelhar- se-á ao trabalho do pastor, que age conduzindo o seu rebanho rumo à pastagem (cf. Sl 77, 21).

A obra criadora de Deus é acompanhada da sua palavra, aliás, realiza-se mediante a sua palavra: «Deus disse: “Façamos o homem à nossa imagem e semelhança”… E Deus criou o homem à sua imagem…». Aquilo que Deus leva a cabo não é sobretudo «usado»,mas contemplado. Ele contempla aquilo que tinha feito, até captar o seu esplendor, e alegra-se diante da beleza do bem que Ele criou.

Aos seus olhos, o trabalho parece uma obra-prima. Quem ainda sabe admirar-se diante das maravilhas do mundo, revive de alguma maneira o júbilo de Deus. Ainda hoje, para quem sabe olhar com simplicidade e fé, a beleza do universo convida a reconhecer a mão de Deus e a compreender que não se trata de um produto do acaso, mas a obra amorosa do Criador para a criatura humana que, não apenas é «boa» como todas as outras, mas é «muito boa».

A palavra que acompanha a criação de Deus não pode falar também ao homem que trabalha: jamais deveria acontecer que o trabalho sufoque o homem, a ponto de o reduzir ao silêncio! Desprovido do direito de palavra, o trabalhador precipita na condição de escravo, a quem é impedido alegrar-se pelo seu trabalho, porque todo o fruto lhe é arrebatado pelo patrão.

Para poder viver, o homem deve trabalhar, mas as condições de trabalho devem salvaguardar e, aliás, promover a sua dignidade de pessoa.

Hoje, o mercado do trabalho obriga não poucas pessoas, principalmente se são jovens e mulheres, a situações de incerteza constante, impedindo-os de trabalhar com a estabilidade e as seguranças de ordens económica e social, as únicas que podem garantir às jovens gerações a formação de uma família, e às famílias, a geração e a educação dos seus filhos.

A oportuna «flexibilidade» do trabalho, exigida pela chamada «globalização», não justifica a permanente «precariedade» de quem tem na sua única «força-trabalho» o recurso para assegurar para si mesmo e para a sua família o necessário para viver. Previdências sociais e mecanismos de tutela adequados devem integrar a economia do trabalho, a fim de que sobretudo as famílias que vivem os momentos mais delicados, como a maternidade, ou mais difíceis, como a enfermidade e o desemprego, possam contar com uma razoável segurança económica.

2.Deus disse-lhes… enchei a terra e submetei-a. A criação «muito boa» não deve ser apenas contemplada pelo homem, mas é também um apelo à colaboração. Com efeito, o trabalho é para cada homem uma chamada a participar na obra de Deus e, por isso, um verdadeiro lugar de santificação. Transformando a realidade, ele reconhece que o mundo vem de Deus, que o empenha a completar a obra boa por ele encetada. Isto significa, por exemplo, que o grave desemprego, fruto da actual crise económica mundial, não apenas priva as famílias dos meios de sustento necessários mas, negando ou reduzindo a experiência de trabalho, impede que o homem se desenvolva plenamente.

O trabalho não deve submeter o homem, mas o homem, através do trabalho, é chamado a «submeter» a terra (cf. Gn 1, 28). Todo o globo terrestre está à disposição do homem, a fim de que ele, mediante a sua engenhosidade e o seu compromisso, descubra os recursos necessários para viver e faça deles o devido uso. Para esta finalidade, hoje muito mais que no passado, não podemos esquecer que a terra nos foi confiada por Deus como um jardim a apreciar e a cultivar (cf. Gn 2, 7).

O uso responsável dos recursos da terra, em ordem a um desenvolvimento sustentável, tornou-se hoje uma questão de primeiro plano, a «questão ecológica». A degradação ambiental de muitas regiões do planeta, o aumento dos níveis de poluição e outros factores negativos, como o sobreaquecimento da terra soam como campainhas de alarme em relação a uma condução do progresso tecnocientífico que descuida os efeitos colaterais das suas empresas. Estudar políticas industriais, agrícolas e urbanísticas que ponham no centro o homem e a salvaguarda da criação é a condição imprescindível para garantir às famílias, já hoje e de maneira especial no futuro, um mundo habitável e hospitaleiro.

Depois de ter trabalhado durante seis dias na criação do mundo e do homem, no sétimo dia Deus descansa. O descanso de Deus recorda ao homem a necessidade de suspender o trabalho, para que a vida religiosa pessoal, familiar e comunitária não seja sacrificada aos ídolos do acúmulo da riqueza, do progresso da carreira e do incremento do poder. O homem não vive só de relações de trabalho, em função da economia. É necessário tempo para cultivar as relações gratuitas dos afectos familiares e dos vínculos de amizade e de parentesco.

Infelizmente, no Ocidente a cultura predominante tende a considerar o indivíduo sozinho mais funcional à sociedade da produção e do consumo: mais produtivo, porque mais disponível à mobilidade e à flexibilidade dos horários, sob o ponto de vista da percentagem ele consome mais do que as pessoas que vivem em família.

3. Façamos o homem à nossa imagem e semelhança. Criado à imagem e semelhança de Deus (cf. Gn 1, 26) o homem, como Deus, trabalha e descansa. O tempo tranquilo do descanso e jubiloso da festa é também o espaço para dar graças a Deus, criador e salvador.

Suspendendo o trabalho, os homens recordam a experimentam que na origem da sua actividade de trabalho está a obra criativa de Deus. A criatividade humana mergulha as suas raízes no Deus criador: só Ele cria a partir do nada.

Descansando em Deus, os homens encontram também a justa medida do seu trabalho, comparativamente com a sua relação com o próximo. A actividade de trabalho está ao serviço dos vínculos mais profundos que Deus quis para a criatura humana. O pão que se ganha trabalhando não é só para si mesmo, mas doa sustento também aos outros com os quais se vive. Através do trabalho, os cônjuges nutrem a sua relação e a vida dos seus filhos.

Além disso, o trabalho é inclusive o gesto de justiça com que as pessoas participam no bem da sociedade e contribuem para o bem comum. Tempo de gratuidade para as relações interpessoais e sociais, o descanso do trabalho é uma ocasião propícia para alimentar os afectos familiares, assim como para estreitar laços de amizade com outras famílias. Com efeito, os ritmos de trabalho contemporâneos, estabelecidos pela economia consumista, limitam até quase anular, especialmente no caso de certas profissões, os espaços da vida comum, sobretudo em família. As actuais condições de vida parecem desmentir aquilo que se imaginava até há pouco tempo. Esperava-se que o progresso tecnológico aumentasse o tempo livre. Os ritmos de trabalho frenéticos, as viagens para ir ao trabalho e voltar para casa, reduzem drasticamente o espaço de confronto e partilha entre os cônjuges e a possibilidade de estar com os filhos. Entre os desafios mais árduos dos países economicamente desenvolvidos há o de equilibrar os tempos da família com os tempos do trabalho. No entanto, a tarefa difícil dos países em fase de desenvolvimento consiste em aumentar a produtividade, sem perder a riqueza das relações humanas, familiares e comunitárias, resolvendo e conciliando a relação família-trabalho, tanto no contexto das migrações externas como internas no mesmo país.

4. Deus abençoou-os…Da narração da criação sobressai uma estreita ligação entre o amor conjugal e a actividade de trabalho: com efeito, a bênção de Deus diz respeito à fecundidade do casal eà sujeição da terra. Esta dúplice bênção convida a reconhecer a bondade da vida familiar e da vida de trabalho. Por isso, encoraja a encontrar uma forma de viver a família e o trabalho de modo equilibrado e harmonioso. Hoje não faltam tentativas que vão neste rumo, como por exemplo, onde é possível e oportuno, o horário parcial de trabalho, ou as autorizações e as licenças compatíveis com os deveres de trabalho, mas correspondentes às necessidades da família. Também a flexibilidade dos horários pode favorecer o justo equilíbrio entre as exigências familiares, ligadas sobretudo ao cuidado dos filhos, e as exigências do trabalho.

A bênção é dada aos cônjuges a fim de que sejam fecundos e beneficiem da fecundidade da terra. Abençoada por Deus, a famíliaé chamada a reconhecer os dons que recebe de Deus. Um modo concreto para recordar a obra benéfica de Deus, origem de todo o bem, é a oração de bênção que a família recita à hora das refeições.

Reunir-se para louvar a Deus e para lhe dar graças pelo alimento é um gesto tanto simples quanto profundo: é a expressão da gratidão do Pai dos céus que provê aos seus filhos na terra, concedendolhes a graça de se amarem e o pão para viverem.

E. Escuta do Magistério

Não apenas o trabalho mas o próprio descanso festivo constitui um direito fundamental e, ao mesmo tempo, um bem indispensável para os indivíduos e as suas famílias: é quanto se afirma na exortação pós-sinodal Sacramentum caritatis. O homem e a mulher valem mais do que o seu trabalho: eles são feitos para a comunhão e para o encontro. Por conseguinte, o domingo configura-se não já como um intervalo ao cansaço, a preencher com actividades frenéticas ou experiências extravagantes, mas sim como o dia do descanso que abre ao encontro, leva a redescobrir o outro e permite dedicar tempo às relações em família e com os amigos e à oração.

O sentido do descanso e do trabalho

«É particularmente urgente no nosso tempo lembrar que o dia do Senhor é também o dia de repouso do trabalho. Desejamos vivamente que isto mesmo seja reconhecido também pela sociedade civil, de modo que se possa ficar livre das obrigações laborais sem ser penalizado por isso.

De facto, os cristãos – não sem relação com o significado do sábado na tradição hebraica – viram no dia do Senhor também o dia de repouso da fadiga quotidiana. Isto possui um significado bem preciso, ou seja, constitui uma relativização do trabalho, que tem por finalidade o homem: o trabalho é para o homem e não o homem para o trabalho. É fácil intuir a tutela que isto oferece ao próprio homem, ficando assim emancipado duma possível forma de escravidão.

Como já tive ocasião de afirmar, “o trabalho reveste uma importância primária para a realização do homem e o progresso da sociedade; por isso torna-se necessário que aquele seja sempre organizado e realizado no pleno respeito da dignidade humana e ao serviço do bem comum.

Ao mesmo tempo, é indispensável que o homem não se deixe escravizar pelo trabalho, que não o idolatre pretendendo achar nele o sentido último e definitivo da vida» (Homilia na solenidade de São José, 19 de Março de 2006). É no dia consagrado a Deus que o homem compreende o sentido da sua existência e também do trabalho (cf. Compêndioda Doutrina Social da Igreja, n. 258)».

[Sacramentum Caritatis, 74]

F. Perguntas para o casal e o grupo

PARA O CASAL

1.      Sentimos-nos realizados na nossa actividade de trabalho?

2.      Confrontamos-nos a propósito das nossas experiências de trabalho?

3.      O exercício da profissão entra em conflito com os nossos vínculos conjugais e familiares?

4.      Temos o hábito de rezar à hora das refeições? Que significado atribuímos à bênção do alimento?

PARA O GRUPO FAMILIAR E A COMUNIDADE

1.      Nas nossas comunidades cristãs presta-se atenção aos problemas do trabalho e da economia?

2.      Na Caritas in veritate, Bento XVI fala de condições para um «trabalho decente» (CV, 63): de que modo podemos comprometer- nos para garantir a todos os homens um trabalho digno?

3.      A flexibilidade no campo do trabalho constitui uma oportunidade ou um prejuízo?

4.      Que formas de idolatria do trabalho estão presentes na sociedade em que vivemos?

G. Um compromisso para a vida familiar e social

H. Orações espontâneas. Pai-Nosso

I. Canto final


6. O TRABALHO, RECURSO PARA A FAMÍLIA

A. Canto e saudação inicial

B. Invocação do Espírito Santo

C. Leitura da Palavra de Deus

10Uma mulher virtuosa, quem poderá encontrá-la?

Muito superior ao das pérolas é o seu valor.

11Confia nela o coração do seu marido,

e jamais lhe faltará coisa alguma.

12Ela proporciona-lhe o bem, nunca o mal,

por todos os dias da sua vida.

13Ela procura lã e linho

e trabalha com mão alegre.

14Semelhante ao navio do mercador,

manda vir os seus víveres de longe.

15Levanta-se, quando ainda é noite,

distribui a comida à sua casa

e a tarefa às suas servas.

16Ela encontra uma terra, e adquire-a.

Planta uma vinha com o fruto das suas mãos.

17Cinge os seus rins de fortaleza,

e revigora seus braços.

18Alegra-se com o seu lucro,

e a sua lâmpada não se apaga durante a noite.

19Põe a mão na roca,

e os seus dedos manejam o fuso.

20Estende os braços ao infeliz

e abre a mão ao indigente.

21Ela não teme a neve na sua casa,

porque toda a sua família tem vestes duplas.

22Faz cobertas para si mesma:

as suas vestes são de linho fino e de púrpura.

23O seu marido é considerado às portas da cidade,

quando se senta com os anciãos do lugar.

24Tece túnicas e vende-as,

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